Sul Realismo

debaixo de um guarda-chuva
mais veloz que um corredor
surfa a linha imaginária
sobre a linha do equador

pisoteando aquelas uvas,
cadê chacrinha alôalô?!
ouvindo a voz da Martnália
do Pelé gritando gol

sábado, 18 de setembro de 2010

estou farto do lirismo comedido








No dia sete de outubro de 1946, Henri, depois de acordar de um sono vermelho capaz de fazer o pior dos libertinos parecer o mais puro cristão dentre os apóstolos, lavou teus olhos sujos de pecado na pia do banheiro entupida pelos pêlos de tua barba imunda. Máscara negra que ocultava teu rosto em chamas frias... fogo fátuo... obscurecia, mas não ... não escondia teus olhos.


Olhos de ressaca. Ela tinha olhos de ressaca. Inebriantes e doces como cachaça curtida em murici. Construía teu mundo no palco da fantasia. Bailava. Dançava. Flutuava. Era uma abelha colorida oscilando entre papoulas azuis. Buscava néctar. Alcalóides disfarçados de néctar. Marie não era fruta do cerrado. Era como a dama-da-noite... que exala teu perfume nas madrugadas frias e densas das grandes cidades...

No dia sete de outubro de 1946 o coração de Marie já não pulsava mais. Fora sufocado pelo amor de um filisteu. O jornal Le Monde Diplomatique publicou neste dia uma breve nota informando sobre o corpo de uma moça - estrangulada- encontrado pela polícia na calçada de um beco da periferia de Paris. Uns dizem que a jovem não era Marie. Outros dizem que Marie suicidou. Alguns dizem ainda terem visto Marie na companhia de um estranho homem nos dias que precederam sua morte.

Henri matou Marie. Nada restou. Nem sangue nem vida nem morte. Henri matou Marie. Restou apenas uma rima...

No dia sete de outubro de 1946, Henri acordou, banhou em águas cristalinas o sangue seco de tuas mãos, fitou taciturno o semblante molhado, encarou os próprios olhos refletidos no espelho translúcido e pensou:

"O verso não compensa... Se a rima não fosse pobre, teria valido a pena"




ilustração: sem referêcias. envie o link

citadinos