Sul Realismo

debaixo de um guarda-chuva
mais veloz que um corredor
surfa a linha imaginária
sobre a linha do equador

pisoteando aquelas uvas,
cadê chacrinha alôalô?!
ouvindo a voz da Martnália
do Pelé gritando gol

domingo, 5 de dezembro de 2010

abre los ojos

A vida andava assim, cambaleante. Como o banco onde se sentava, ora pendia para um lado ora para o outro, o importante é que, de fato, mantinha-se equilibrada. A sexta-feira, dia da salvação - quando os pobres mortais usufruem o direito de esquecer a monotonia reinante do dia a dia - já estava se tornando, para ele, entediada e torturante como as horas que passava em seu gabinete na repartição. Ganhava bem, o suficiente para morar em uma região arborizada e próxima ao centro da cidade, o suficiente para comprar livros de Nelson Rodrigues, o suficiente para convidar para jantar em um bistrô uma musa de cinema à la Brigitte Bardot, o suficiente para freqüentar o buteco da esquina conhecido pelo balcão decadente e mal iluminado, o suficiente para dependurar fiado o lombo assado com abacaxi e as doses duplas daquela cachaça responsável pela sua embriaguez. Fora do bar, escuridão. Ninguém na avenida. Desabitada, vazia, deserta. Frio, asfalto molhado de chuva. As chaves sempre no bolso esquerdo. Bip-bip. Porta, cinto, ignição. Porque me olhas com essa cara? Os olhos no espelho do parabrisa o encaram. Continuam mal-encarados no espelho do elevador... Perigoso. Vê tudo. O espelho do elevador. Testemunha ocular de conversas, segredos, traições, beijos inesperados e olhares secretos..  Aos senhores condôminos. COMUNICADO. Eleição.. favor comparecer.. escolha do novo síndico.. Saco essa coisa de condomínio.. Vertigem. Plin. Nono andar. Ouve-se o barulho da porta se deslizando seguido de teus passos irregulares sobre o assoalho do corredor. Tilintar de chaves. Pára em frente à porta.  No carpete, uma carta. Lê-se: abre los ojos. Apanha a carta, destranca a porta. Plakt. Opa. Essa poltrona não deveria estar.. Ou deveria? Será que alguém entrou aqui? Sacode a cabeça. Não. Provavelmente estou bêbado. Muito bêbado. Repousa a carta na mesa da copa, vai direto para o quarto. Retira o paletó e os sapatos, a calça e, em seguida, a gravata, a camisa e as meias. Mergulha na cama. Amanhã é sábado. Graças a deus. Ou não. Faz o nome do pai menos por crença que por hábito. Adormece. Em sono profundo, nas águas abissais do oceano, emerge, de súbito,  o brilho de uma estrela.. espectro esverdeado, prisma e diamante na madrugada de sua consciência.. explode em fogos de artifício fantasias oníricas, iluminando o que antes era crepúsculo no silêncio de teus sonhos. Era a cor dos olhos dela.  





4 comentários:

Dª fulô. disse...

Uau Pedro! Que texto cheio de onomatopeia! Fazia um tempo que não passava por aqui, e sem tempo resolvi visitá-lo (título da postagem me chamou a atenção). E não foi tempo perdido. Gostei muito do texto. Escreve assim pra sempre?
P.S: Adorei brincar com os alevinos! rs

Pedro disse...

Dona Flor, se é tu que solicitas, juro que me esforçarei ao máximo!

Lua disse...

Incrível, viajei no seu texto. Como você conseguiu dizer coisas banais assim com palavras que encantam tanto... Parece até um livro que li recentemente.
Obrigada pela visita, tenha um Feliz Natal!

Marina Passos disse...

vc realmente sabe o que escreve! Parabéns!!

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