Sul Realismo

debaixo de um guarda-chuva
mais veloz que um corredor
surfa a linha imaginária
sobre a linha do equador

pisoteando aquelas uvas,
cadê chacrinha alôalô?!
ouvindo a voz da Martnália
do Pelé gritando gol

domingo, 25 de setembro de 2011

cena 1

Abriu a janela do cômodo. O vento veio como rajada fria emitindo sons fímbrios de suspense e tensão, tremulando as cortinas e ecoando nas paredes amareladas pela fumaça impura e fétida de tabaco. O cinzeiro ficava justo ali, em cima do criado mudo sob o parapeito da janela aberta pelo homem que, aturdido, olhava a paisagem noturna, o horizonte lúgubre e o chão a 5 metros de altura. Palavras brotaram de sua consciência: salte, pule, há tempo! Hesitou. Alto demasiado. A sirene tocava e denunciava derradeira e veloz a viatura da polícia. Parecia gritar-lhe estridente e latejante: fujas daí! fujas daí! fujas daí! desgraçado! não esqueças tu que podes correr até sentir trêmulas as pernas, entrementes não pares se não quiseres um beijo doce da guilhotina. Não; não há lugar pra se esconder. Não existe esconderijo em Shinystone. De fato, em lugar nenhum do mundo, senão dentro da própria alma.  

Pác pác pác! (A porta está trancada! Vamos atirar!) Olhou-a de relance, deitada sobre a cama. Lady, moribunda, soturnamente esquálida, despertava-lhe apenas asco e ojeriza. Tão somente. Ignorava a virtude da Piedade e os desígnios da santa. Tuas últimas penas de compaixão haviam sido incineradas pelo fogo que destroçou o casario, os quadros, a dignidade e talhou as cicatrizes vívidas marcadas na cara. Olhos irrequietos de dúvida. Pular? Será? Trancado no quarto entre a dama que jazia drogadicta; mafiosos prestes a arrombar-lhe a porta; a sirene soando progressivamente mais alto e a janela ornamentada que olhava para o asfalto; não recuou; Tomou distância; Suspirou. Que minha coluna se parta em duas!

Powcraqrrkrkrkskrqkafçosshttttss............!

Cacos de vidro na calçada. Levantou-se com dificuldade. Colocou as mãos nas costas, em posição estranha e jocosa. Expressão inexorável de dor. Estalou as vértebras. Respirou fundo. Virou de soslaio. A viatura dobrava a esquina, pôs-se a correr desesperado! Manco, no início, redobrou os movimentos da perna e não olhou para trás. Por sorte não lhe viram. Saíram do carro em direção à fachada e arrombaram o portão. Subiram a escadaria até o primeiro andar. Cento e sete. Tem certeza? Está aberta... Atrás da porta.. Embaixo da cama.. Dentro do armário... O quarto está vazio. (Trek....) pow pow pow!!!

Corria. Ahn uff ahn uff. Postes ahn uff esquinas ahn uff ahn casarios uff ahn uff árvores prédios praças portões bueiros lixões Ahn uff ahn uff.. quarteirões quarteirões quarteirões quarteirões....  Parou. Preciso parar. Local inóspito, silencioso, vazio. Avistou... Uma árvore cuja densa copa obscurecia a iluminação dos postes, pendiam degraus de um prédio abandonado, antiga casa noturna. Caminhou sem pressa, ofegante e exaurido. Sentou-se. Donnely's Pub. A placa de néon sob a marquise crepitava luzes vermelhas e azuis. Os  zumbidos elétricos se mesclavam aos lamentos de um cão e de um saxofone quase desafinado. A lua minguava. Estava a duas quadras da estação de trem. Para lá?! Não. Melhor esperar. Uma hospedaria.. ou talvez.. No beco do rateio, esquina dos aflitos, existe um albergue. Repouso de indigentes e maltrapilhos. Descansaria lá. Acordaria cedo. Partiria pela manhã.





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